Análise Comparativa de trechos de Obras
(Atividade Prática Supervisionada)
Texto escrito por: Ariane Fermino e Silva - RA B77530-0
Esta pesquisa tem como objetivo a
observação de forma atenta, reflexiva e curiosa nos trechos das narrativas
“Memórias de um Sargento de Milícias” obra de Manuel Antônio de Almeida escrita
em 1854 ao final do romantismo brasileiro e em “Memórias póstumas de Brás
Cubas” obra de Machado de Assis escrito em 1881, sendo este, o marco inicial do
realismo no Brasil, com a finalidade de extrair fragmentos que expliquem seu
foco narrativo, a relação do narrador com o leitor, os sentimentos do narrador
pelo personagem focado, os pensamentos ou reflexões desse personagem e a
construção critica do narrador em relação a estes personagens e à sociedade.
Em “Memórias de um Sargento de
Milícias” é possível observar um foco narrativo em 3ª pessoa, sem nenhum
envolvimento pessoal com os personagens ou o ouvir de seus pensamentos, porém a
narrativa de uma história que parece ser bem conhecida por ele, com alguns
pontos de observação pessoal, mas com o objetivo maior de apenas “contar os
fatos”, acompanhar a historia, como mostrado nos primeiros parágrafos em que
ele orienta seus leitores em que tempo (quando?), onde se passa a história
(onde?) e o tema (sobre o que?) em descrições especificas e detalhadas:
“Era
no tempo do rei.
Uma
das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se
mutuamente, chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos -; e bem lhe
assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os
indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos
de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei;
esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos
extremos da formidável cadeia judiciaria que envolvia todo o Rio de Janeiro no
tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram
os desembargadores. (...)”.
Já em “Memórias Póstumas de Brás
Cubas”, o foco narrativo encontrado foi narrador-personagem (1ª pessoa), com
grandes interferências deste narrador sobre si próprio, apontando seus pontos
positivos e negativos, ora se engrandecendo, ora se desvalorizando e criticando
a si mesmo em muitos momentos:
“Algum
tempo hesitei se devia abrir estas memorias pelo principio ou pelo fim, isto é,
se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso
vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar
diferente método: a primeira é que não sou propriamente um autor defunto, mas
um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito
ficaria assim mais galante e mais novo. (...)”.
As relações entre narrador e leitor
são distintas entre as duas obras, sendo na de Manuel Antonio Bandeira de
grande intimidade e camaradagem, como um pacto de amizade ao seu leitor: “Mas voltemos à esquina (...)” como se
chamasse o leitor a ir contigo nas lembranças da historia que está a conta; já na
de Machado de Assis o narrador tem uma postura nada intima com seu leitor, por
vezes até arrogante, como a criar uma literatura para poucos e selecionados
entendedores sem se importar em agradar ou não: “(...) A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me
da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.”.
Em “Memórias de um Sargento de
Milícias” é possível observar um sentimento de total desrespeito entre o
narrador e o personagem principal do livro, que é bem expresso através de humor
extremo e exagerado, com foco em suas caricaturas exteriores (estereótipos) sem
se importar em expor os pensamento e reflexões deste personagem:
“(...)
Entre os termos que formavam essa equação meirinhal pregada na esquina havia
uma quantidade constante, era o Leonardo Pataca. Chamavam assim a uma rotunda e
gordíssima personagem de cabelos brancos e carão avermelhado, que era o decano
da corporação, o mais antigo dos meirinhos que viviam nesse tempo. A velhice
tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza atrasava o negocio das
partes; não o procuravam; e por isso jamais saía da esquina; passava ali os
dias sentados na sua cadeira, com as pernas estendidas e o queixo apoiado sobre
uma grossa bengala, que depois dos cinquenta era a sua infalível companhia”.
Já em “Memórias Póstumas de Brás
Cubas”, apesar de retratar a si próprio, o narrador-personagem Brás Cubas em
alguns momentos deixa-se gabar por sua cultura e posição superior, que
provavelmente não será acompanhada por seu leitor, como também não deixa de
usar certo humor sutil em revelar seus fracassos e tristezas da vida, nos
expondo seus pensamentos e reflexões a todo o momento:
“Dito
isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de
1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos
e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado
ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem
anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e
constante (...)”.
Apesar dos trechos extraídos das obras
serem curtos, a crítica já é bem explorada em ambas, no caso da obra “Memórias
de um Sargento de Milícias”, temos uma critica as diferentes classes e
valorização das categorias sociais (de prestígio ou não):
“Mas tinham ainda outra influência,
que é justamente a que falta aos de hoje: era a influência que derivava de suas condições físicas. Os meirinhos de hoje
são homens como quaisquer outros; nada tem de imponentes, nem no seu semblante
nem no seu trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório
ou continuo de repartição. Os meirinhos desse belo tempo não, não se confundiam
com ninguém; eram originais, eram tipos, nos seus semblantes transluzia um
certo ar de majestade forense, seus olhares calculados e sagazes significavam
chicana. Trajavam sisuda casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato
afivelado, ao lado esquerdo aristocrático espadim, e na ilharga direita
penduravam um circulo branco, cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto
por um grave chapéu armado. Colocado sob a importância vantajosa dessas
condições, o meirinho usava e abusava de sua posição. (...)”
Na obra Machadiana já observaremos um
prato cheio de criticas, entre uma delas, aos romancistas e sua massa de
leitores “burgueses”:
“Que
Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é
que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se
este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem
vinte, e quando muito, dez...Dez? Talvez cinco. (...)”
Ou mesmo ao próprio personagem, mesquinho
e arrogante, que se achava melhor que qualquer outro, que apesar de rico e
bonito, não conquistara nada e nem coisa nenhuma durante a vida:
“Ao
verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa
lembrança estas Memorias Póstumas”.
Em conclusão, é de grande relevância
ressaltar, que este tipo de reflexão apresentou resultados interessantíssimos
que podem ser abordados em sala de aula durante o ensino de Literatura, a fim
de proporcionar aos alunos um olhar crítico em cima das obras clássicas,
transformando-as mais do que simples histórias para leitura e sim, grande
material de estudo e exploração.
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