Análise
do Discurso: O Show de Truman – O Show da Vida
O artigo a seguir tem
como objetivo abordar o filme “O Show de Truman: O Show da Vida” dentro da
análise do discurso de linha francesa, meditando sobre questões éticas e morais
e sobre o papel que a indústria cultural exerce nos dias de hoje.
Fiorin em seus estudos no livro “Linguagem e Ideologia” refere que não
devemos considerar a linguagem algo totalmente desvinculado da vida social nem
perder de vista sua especificidade reduzindo-a somente ao nível ideológico, é
preciso tentar analisar a linguagem como um todo, um fenômeno extremamente
complexo, que é o que ela é, e estudar seus múltiplos pontos de vista, pois
pertence a diferentes domínios, ao mesmo tempo em que é individual e social, é
física, fisiológica e psíquica, logo basearemos nossa análise, no possível, em
todas essas dimensões.
Segundo o Michel Foucalt em seu livro “A ordem do discurso”:
“O
discurso, longe de ser esse elemento transparente ou neutro [...], por mais que
o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem
revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”.
Pelo nosso ponto de vista, por trás de uma simples comédia existia um
discurso que permitia a introduzir o efeito da nossa realidade.
O filme retrata um personagem interpretado por Jim Carrey - Truman fruto de uma
gravidez indesejada e adotado legalmente por uma instituição ainda no útero de
sua mãe e filmado desde então. Tendo com enredo o paradoxo entre simulação e
realidade, beirando do cômico ao dramático o personagem faz parte de um reality
show não tendo consciência disso.
Truman é gravado 24
horas por dias durante os sete dias da semana, em uma cidade cenográfica
construída em Hollywood, a Ilha de Seahaven com tecnologia de ponta e cinco mil
câmeras por toda a sua extensão com um grande elenco.
Temos também o
personagem Christof, o televisionário e idealizador do programa que dirigi o
reality. O criador do programa afirma que apesar de se tratar de um show de
entretenimento, as vivências e as experiências de Truman são reais e sem
interferências da produção e do elenco, sem ‘script’. Teria Christof seguido a
visão de Guimarães em Semântica do
acontecimento: “as personagens se
constroem na medida em que se representam uma diante da outra”, acreditamos
que isso não seja verdade, já que tudo é controlado, todo o elenco tinha
script, roteiros pré-estabelecidos, tendo a interferência constante da direção
do programa. Sob um marketing fortíssimo, tudo a cerca de Truman é propaganda e
publicidade, das vestes ao alimento, tudo é patrocínio, a artificialidade que cerca
Truman é toda a existência da Ilha, dos eventos meteorológicos as frequências
de rádio e programas de TV e toda e qualquer relação que o personagem tenha
tido.
Tomando como base os
discursos constituídos pelas relações sócio-históricas, o sentido duo de acordo
com a produção dos discursos, pode-se observar na analogia de Christof a sua
atitude que beira a divindade exercida pela igreja, que não se submete a um
poder maior, regendo suas normas como quem se baseia na sua criação de razão,
na sua apoteose e seus valores de onipotência e onipresença. Podem-se fazer
tais observações no comportamento de Christof quando o diretor burla a
realidade de Truman para com as pessoas, nas relações que o personagem
estabelece, nas cenas em que controla as frequências de rádio remetendo a seus
medos e bloqueios, no episódio em que seu suposto pai sofre um suposto
afogamento gerando um trauma em Truman com o mar, assegurando que não
consideraria a hipótese de atravessar a ponte e sair da ilha e na simulação da
tempestade colocando sua vida em risco.
O público sempre
anestesiado pela privacidade de Truman ao ponto de ignorar qualquer tipo de
empatia pelo personagem, um ser humano induzido à uma redoma de mentiras e
interpretações, privado dos direitos mais essenciais. Mas ao contrário disso,
quanto mais acesso a privacidade de Truman, mais subia a audiência e com isso,
a motivação do capitalismo por parte da produção do reality, que não media
esforços para manter a atração à custa da exploração dos dramas. Truman tinha
seus medos testados tanto quanto seu emocional e sentimental, sendo assim
“prestigiado” pelos expectadores sem qualquer preocupação com os princípios,
evidenciado os valores invertidos.
Já o protagonista do
drama que vive um roteiro alterado e reescrito por quem detinha o controle, convivia
com aquela realidade proposta a ele, seguro de que vivia no melhor ambiente,
com a sua estabilidade, mas a sua racionalidade juntamente com alguns deslizes
da produção passa a perceber as contradições do seu cotidiano, os figurantes
que tentam alerta-lo da realidade, e a partir disso inicia o processo em que o
personagem começa a conscientizar-se do mundo a sua volta e também a inércia de
sua vida que passa a ser insuportável para Truman, pois seu roteiro não
permitia imprevistos.
O filme traz a discussão
da soberania da indústria cultural, a função da mídia ao difundir informações e
a influência exercida pelo público, e desse modo a estratégia da informação
industrializada que se sobrepõe a solidariedade, a moral e a ética.
Christof, assim como os
regimes totalitários afirma que deu a Truman uma vida tranquila e dentro de uma
normalidade melhor que a própria realidade, e que a ilha criada por ele é a
idealização, seria como um modelo de vida perfeita, e dentro dessa argumentação
não havia para ele o que se discutir em violação de direitos.
O enredo nos leva a
refletir qual a separação entre realidade e ficção, pois antes de Truman
desenvolver sua subjetividade acima da realidade imposta, ele acreditava viver
uma vida real, trazendo para nossa vivência onde podemos questionar o nosso
próprio conceito de verdade e a nossa relativa noção de realidade. No filme,
Christof de acordo com a sua própria ideologia afirma: “Nós aceitamos a
realidade do mundo que nos é apresentado. É simples assim.”. No livro “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”,
nos estudos de Louis Althusser, de acordo com a linha de estudo Marxista,
afirma:
“A
ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com as suas
condições de existência [...], fazem alusão à realidade, e que basta interpretá-las
para reencontrar, sob a sua representação imaginária do mundo, a própria
realidade desse mundo”.
Após vários ocorridos
como atores que tentam alertá-lo, erros técnicos decorrentes da rotina, como a
cena em que uma das frequências de rádio descreve seus movimentos, a queda do
objeto do céu para a ilha e etc, Truman passa a desconfiar que está sendo
vigiado e passa a acumular evidencias, adquirindo cada vez mais a certeza de
que vivencia uma “realidade” manipulada. Ao lutar contra a ambição autoritária
de Christof, e optar pela porta “exit”, Truman opta pela verdade? Ou por um conceito diferente de verdade?
Truman encontrará a liberdade ou apenas outra projeção de “realidade”
manipulada por outras concepções ideológicas?
Da mesma forma que a manipulação não se limita ao personagem fictício,
mas também aos telespectadores do Reality, pois o entretenimento se faz uma
arma poderosa de massificação. A população assistindo ao programa acredita
estar em nível superior ao do personagem, e que possuem o controle de suas
próprias vidas, quando na verdade as circunstâncias impostas pelo sistema
também os fazem personagens de suas próprias vidas, e produto de disseminação
de um ideal, através do esquecimento, conforme observado no livro “O Discurso: Estrutura ou acontecimento”,
de Michel Pechêux:
“[...] supõe-se que todo sujeito falante sabe
do que se fala, porque todo enunciado produzido nesses espaços reflete
propriedades estruturais independentes de sua enunciação: essas propriedades se
inscrevem, transparentemente, em uma descrição adequada do universo (tal que
este universo é tomada discursivamente nesses espaços)”.
Para concluir, podemos
observar no filme a intensa relação dos discursos com a realidade. Truman é
rodeado e controlado por discursos, assim como os seus telespectadores (a
publicidade influenciadora, o discurso novelístico e a mídia), que são
influenciados pelas várias possibilidades discursivas como o jogo de efeito e
de realidade fica como tema dessas inúmeras vozes presentes no discurso.
Filme relacionado
O Show de
Truman – O Show da Vida
Lançamento:
1998
Gênero:
Drama/Comédia
Referencias Bibliográficas
Fiorin,
José Luiz / Atica
Foucault,
Michel / LOYOLA
Guimaraes,
Eduardo; Guimaraes, Eduardo / PONTES
Althusser,
Louis / Editorial Presença-Martins Fontes
Pecheux, Michel / PONTES
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