segunda-feira, 26 de maio de 2014

Análise do Discurso: O Show de Truman – O Show da Vida




O artigo a seguir tem como objetivo abordar o filme “O Show de Truman: O Show da Vida” dentro da análise do discurso de linha francesa, meditando sobre questões éticas e morais e sobre o papel que a indústria cultural exerce nos dias de hoje.
 Fiorin em seus estudos no livro “Linguagem e Ideologia” refere que não devemos considerar a linguagem algo totalmente desvinculado da vida social nem perder de vista sua especificidade reduzindo-a somente ao nível ideológico, é preciso tentar analisar a linguagem como um todo, um fenômeno extremamente complexo, que é o que ela é, e estudar seus múltiplos pontos de vista, pois pertence a diferentes domínios, ao mesmo tempo em que é individual e social, é física, fisiológica e psíquica, logo basearemos nossa análise, no possível, em todas essas dimensões. 
Segundo o Michel Foucalt em seu livro “A ordem do discurso”:
  “O discurso, longe de ser esse elemento transparente ou neutro [...], por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”.
Pelo nosso ponto de vista, por trás de uma simples comédia existia um discurso que permitia a introduzir o efeito da nossa realidade. O filme retrata um personagem interpretado por Jim Carrey - Truman fruto de uma gravidez indesejada e adotado legalmente por uma instituição ainda no útero de sua mãe e filmado desde então. Tendo com enredo o paradoxo entre simulação e realidade, beirando do cômico ao dramático o personagem faz parte de um reality show não tendo consciência disso.
Truman é gravado 24 horas por dias durante os sete dias da semana, em uma cidade cenográfica construída em Hollywood, a Ilha de Seahaven com tecnologia de ponta e cinco mil câmeras por toda a sua extensão com um grande elenco.
Temos também o personagem Christof, o televisionário e idealizador do programa que dirigi o reality. O criador do programa afirma que apesar de se tratar de um show de entretenimento, as vivências e as experiências de Truman são reais e sem interferências da produção e do elenco, sem ‘script’. Teria Christof seguido a visão de Guimarães em Semântica do acontecimento: “as personagens se constroem na medida em que se representam uma diante da outra”, acreditamos que isso não seja verdade, já que tudo é controlado, todo o elenco tinha script, roteiros pré-estabelecidos, tendo a interferência constante da direção do programa. Sob um marketing fortíssimo, tudo a cerca de Truman é propaganda e publicidade, das vestes ao alimento, tudo é patrocínio, a artificialidade que cerca Truman é toda a existência da Ilha, dos eventos meteorológicos as frequências de rádio e programas de TV e toda e qualquer relação que o personagem tenha tido.
Tomando como base os discursos constituídos pelas relações sócio-históricas, o sentido duo de acordo com a produção dos discursos, pode-se observar na analogia de Christof a sua atitude que beira a divindade exercida pela igreja, que não se submete a um poder maior, regendo suas normas como quem se baseia na sua criação de razão, na sua apoteose e seus valores de onipotência e onipresença. Podem-se fazer tais observações no comportamento de Christof quando o diretor burla a realidade de Truman para com as pessoas, nas relações que o personagem estabelece, nas cenas em que controla as frequências de rádio remetendo a seus medos e bloqueios, no episódio em que seu suposto pai sofre um suposto afogamento gerando um trauma em Truman com o mar, assegurando que não consideraria a hipótese de atravessar a ponte e sair da ilha e na simulação da tempestade colocando sua vida em risco.
O público sempre anestesiado pela privacidade de Truman ao ponto de ignorar qualquer tipo de empatia pelo personagem, um ser humano induzido à uma redoma de mentiras e interpretações, privado dos direitos mais essenciais. Mas ao contrário disso, quanto mais acesso a privacidade de Truman, mais subia a audiência e com isso, a motivação do capitalismo por parte da produção do reality, que não media esforços para manter a atração à custa da exploração dos dramas. Truman tinha seus medos testados tanto quanto seu emocional e sentimental, sendo assim “prestigiado” pelos expectadores sem qualquer preocupação com os princípios, evidenciado os valores invertidos.
Já o protagonista do drama que vive um roteiro alterado e reescrito por quem detinha o controle, convivia com aquela realidade proposta a ele, seguro de que vivia no melhor ambiente, com a sua estabilidade, mas a sua racionalidade juntamente com alguns deslizes da produção passa a perceber as contradições do seu cotidiano, os figurantes que tentam alerta-lo da realidade, e a partir disso inicia o processo em que o personagem começa a conscientizar-se do mundo a sua volta e também a inércia de sua vida que passa a ser insuportável para Truman, pois seu roteiro não permitia imprevistos.
O filme traz a discussão da soberania da indústria cultural, a função da mídia ao difundir informações e a influência exercida pelo público, e desse modo a estratégia da informação industrializada que se sobrepõe a solidariedade, a moral e a ética.
Christof, assim como os regimes totalitários afirma que deu a Truman uma vida tranquila e dentro de uma normalidade melhor que a própria realidade, e que a ilha criada por ele é a idealização, seria como um modelo de vida perfeita, e dentro dessa argumentação não havia para ele o que se discutir em violação de direitos.
O enredo nos leva a refletir qual a separação entre realidade e ficção, pois antes de Truman desenvolver sua subjetividade acima da realidade imposta, ele acreditava viver uma vida real, trazendo para nossa vivência onde podemos questionar o nosso próprio conceito de verdade e a nossa relativa noção de realidade. No filme, Christof de acordo com a sua própria ideologia afirma: “Nós aceitamos a realidade do mundo que nos é apresentado. É simples assim.”. No livro “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, nos estudos de Louis Althusser, de acordo com a linha de estudo Marxista, afirma:
“A ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com as suas condições de existência [...], fazem alusão à realidade, e que basta interpretá-las para reencontrar, sob a sua representação imaginária do mundo, a própria realidade desse mundo”.
Após vários ocorridos como atores que tentam alertá-lo, erros técnicos decorrentes da rotina, como a cena em que uma das frequências de rádio descreve seus movimentos, a queda do objeto do céu para a ilha e etc, Truman passa a desconfiar que está sendo vigiado e passa a acumular evidencias, adquirindo cada vez mais a certeza de que vivencia uma “realidade” manipulada. Ao lutar contra a ambição autoritária de Christof, e optar pela porta “exit”, Truman opta pela verdade?  Ou por um conceito diferente de verdade? Truman encontrará a liberdade ou apenas outra projeção de “realidade” manipulada por outras concepções ideológicas?
Da mesma forma que a manipulação não se limita ao personagem fictício, mas também aos telespectadores do Reality, pois o entretenimento se faz uma arma poderosa de massificação. A população assistindo ao programa acredita estar em nível superior ao do personagem, e que possuem o controle de suas próprias vidas, quando na verdade as circunstâncias impostas pelo sistema também os fazem personagens de suas próprias vidas, e produto de disseminação de um ideal, através do esquecimento, conforme observado no livro “O Discurso: Estrutura ou acontecimento”, de Michel Pechêux:
“[...] supõe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala, porque todo enunciado produzido nesses espaços reflete propriedades estruturais independentes de sua enunciação: essas propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma descrição adequada do universo (tal que este universo é tomada discursivamente nesses espaços)”.
Para concluir, podemos observar no filme a intensa relação dos discursos com a realidade. Truman é rodeado e controlado por discursos, assim como os seus telespectadores (a publicidade influenciadora, o discurso novelístico e a mídia), que são influenciados pelas várias possibilidades discursivas como o jogo de efeito e de realidade fica como tema dessas inúmeras vozes presentes no discurso.




Filme relacionado
O Show de Truman – O Show da Vida
Lançamento: 1998
Direção: Peter Weir
Gênero: Drama/Comédia


Referencias Bibliográficas

Fiorin, José Luiz / Atica
Foucault, Michel / LOYOLA
Guimaraes, Eduardo; Guimaraes, Eduardo / PONTES
Althusser, Louis / Editorial Presença-Martins Fontes
Pecheux, Michel / PONTES



Nenhum comentário:

Postar um comentário