segunda-feira, 26 de outubro de 2015


Análise Comparativa de trechos de Obras
(Atividade Prática Supervisionada)

Texto escrito por: Ariane Fermino e Silva - RA B77530-0

Esta pesquisa tem como objetivo a observação de forma atenta, reflexiva e curiosa nos trechos das narrativas “Memórias de um Sargento de Milícias” obra de Manuel Antônio de Almeida escrita em 1854 ao final do romantismo brasileiro e em “Memórias póstumas de Brás Cubas” obra de Machado de Assis escrito em 1881, sendo este, o marco inicial do realismo no Brasil, com a finalidade de extrair fragmentos que expliquem seu foco narrativo, a relação do narrador com o leitor, os sentimentos do narrador pelo personagem focado, os pensamentos ou reflexões desse personagem e a construção critica do narrador em relação a estes personagens e à sociedade.

Em “Memórias de um Sargento de Milícias” é possível observar um foco narrativo em 3ª pessoa, sem nenhum envolvimento pessoal com os personagens ou o ouvir de seus pensamentos, porém a narrativa de uma história que parece ser bem conhecida por ele, com alguns pontos de observação pessoal, mas com o objetivo maior de apenas “contar os fatos”, acompanhar a historia, como mostrado nos primeiros parágrafos em que ele orienta seus leitores em que tempo (quando?), onde se passa a história (onde?) e o tema (sobre o que?) em descrições especificas e detalhadas:
“Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos -; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciaria que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. (...)”.

Já em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o foco narrativo encontrado foi narrador-personagem (1ª pessoa), com grandes interferências deste narrador sobre si próprio, apontando seus pontos positivos e negativos, ora se engrandecendo, ora se desvalorizando e criticando a si mesmo em muitos momentos:
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memorias pelo principio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. (...)”.

As relações entre narrador e leitor são distintas entre as duas obras, sendo na de Manuel Antonio Bandeira de grande intimidade e camaradagem, como um pacto de amizade ao seu leitor: “Mas voltemos à esquina (...)” como se chamasse o leitor a ir contigo nas lembranças da historia que está a conta; já na de Machado de Assis o narrador tem uma postura nada intima com seu leitor, por vezes até arrogante, como a criar uma literatura para poucos e selecionados entendedores sem se importar em agradar ou não: “(...) A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.”.

Em “Memórias de um Sargento de Milícias” é possível observar um sentimento de total desrespeito entre o narrador e o personagem principal do livro, que é bem expresso através de humor extremo e exagerado, com foco em suas caricaturas exteriores (estereótipos) sem se importar em expor os pensamento e reflexões deste personagem:
“(...) Entre os termos que formavam essa equação meirinhal pregada na esquina havia uma quantidade constante, era o Leonardo Pataca. Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima personagem de cabelos brancos e carão avermelhado, que era o decano da corporação, o mais antigo dos meirinhos que viviam nesse tempo. A velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza atrasava o negocio das partes; não o procuravam; e por isso jamais saía da esquina; passava ali os dias sentados na sua cadeira, com as pernas estendidas e o queixo apoiado sobre uma grossa bengala, que depois dos cinquenta era a sua infalível companhia”.

Já em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, apesar de retratar a si próprio, o narrador-personagem Brás Cubas em alguns momentos deixa-se gabar por sua cultura e posição superior, que provavelmente não será acompanhada por seu leitor, como também não deixa de usar certo humor sutil em revelar seus fracassos e tristezas da vida, nos expondo seus pensamentos e reflexões a todo o momento:
“Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante (...)”.

Apesar dos trechos extraídos das obras serem curtos, a crítica já é bem explorada em ambas, no caso da obra “Memórias de um Sargento de Milícias”, temos uma critica as diferentes classes e valorização das categorias sociais (de prestígio ou não): 
“Mas tinham ainda outra influência, que é justamente a que falta aos de hoje: era a influência que derivava de suas condições físicas. Os meirinhos de hoje são homens como quaisquer outros; nada tem de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar, confundem-se com qualquer procurador, escrevente de cartório ou continuo de repartição. Os meirinhos desse belo tempo não, não se confundiam com ninguém; eram originais, eram tipos, nos seus semblantes transluzia um certo ar de majestade forense, seus olhares calculados e sagazes significavam chicana. Trajavam sisuda casaca preta, calção e meias da mesma cor, sapato afivelado, ao lado esquerdo aristocrático espadim, e na ilharga direita penduravam um circulo branco, cuja significação ignoramos, e coroavam tudo isto por um grave chapéu armado. Colocado sob a importância vantajosa dessas condições, o meirinho usava e abusava de sua posição. (...)”

Na obra Machadiana já observaremos um prato cheio de criticas, entre uma delas, aos romancistas e sua massa de leitores “burgueses”:
“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez...Dez? Talvez cinco. (...)”
Ou mesmo ao próprio personagem, mesquinho e arrogante, que se achava melhor que qualquer outro, que apesar de rico e bonito, não conquistara nada e nem coisa nenhuma durante a vida:
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memorias Póstumas”.


Em conclusão, é de grande relevância ressaltar, que este tipo de reflexão apresentou resultados interessantíssimos que podem ser abordados em sala de aula durante o ensino de Literatura, a fim de proporcionar aos alunos um olhar crítico em cima das obras clássicas, transformando-as mais do que simples histórias para leitura e sim, grande material de estudo e exploração.